por João Céu e Silva Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
A história, os factos e as controvérsias que envolvem algumas das maiores agências de informação e contra-espionagem do mundo. Está tudo reunido num só livro, As Grandes Agências Secretas, explicado pelo autor, José-Manuel Diogo, 46 anos, Managing Partner na agência de comunicação Agenda Setting.
Porquê investigar as agências secretas?
As agências secretas fazem história. A primeira pedra da história são as notícias: em forma de notícias, relatos ou crônica de viagens o jornalismo é o primeiro degrau da história. Se quisermos é a história em bruto, por lapidar. Eu trabalho em comunicação há 20 anos, a criar discursos e narrativas a que os meios de comunicação social queiram aderir. Às vezes é difícil fazer isso, sobretudo quando os temas são pouco aliciantes. Mas uma boa história de espiões toda agente aprecia. Acho que me apeteceu ver o lado B da consultoria de comunicação. A isto juntaram-se as histórias de adormecer: o meu filho mais velho (tem agora 12 anos) sempre vibrou com agentes e espiões - até ao ano passado achava que a vocação dele era mesmo ser agente secreto - e eu passei muitas noite a contar-lhe histórias "secretas", umas inventadas, outras de velhos livros das Seleções do Reader's Digest. Depois, uma amiga, a Silvia Reig, dona da editora Levoir tinha-me convidado para prefaciar um livro - "Os discursos que mudaram o mundo". O livro correu bem e a seguir convidou-me para escrever uma série de livros pequenos sobre agências secretas e aceitei o desafio.
Apesar do secretismo que deveriam ter, há brechas para obter novidades sobre as agências?
Sem brechas não havia livro. Nem agências secretas. Uma coisa que ninguém sabe não existe. Se não houvessem brechas não havia notícias nem contra informação. São uma ferramenta operacional. Estão para a espionagem como os pincéis estão para a pintura, fazem parte do modus operandi e da própria natureza das agências secretas. Num mundo onde a tomada de decisões é muito rápida, e em que o objetivo é saber antes e influenciar ou provocar uma atitude de outra parte, as brechas são fundamentais. O que é mais complicado é avaliar a intenção das brechas. Distinguir aquilo que é história do que são "estórias" . Mas também por isso este é um mundo apaixonante. É feito da matéria que povoa os sonhos das pessoas.
Se o conseguiu, receia alguma represália por parte dessa agência?
(Risos) Tirando uma ou outra mensagem por SMS, a que não dei importância, o meu telefone ainda não fez barulhos esquisitos, as passwords do meu computador funcionam todas e consigo utilizar os cartões bancários. Acho que ainda não me tornei num alvo. Falando seriamente, o principal objetivo deste livro é poder fixar uma narrativa muito simples, ao alcance de todos os leitores, sobre a história e o modo de funcionamento das grandes e mais famosas agências de informação do mundo ocidental. A ideia que as pessoas têm das Agências Secretas é simultaneamente muito romântica e conspirativa, quando na verdade os espiões são a maior parte das vezes pessoas normais. Espiões podem ser o diretor da empresa, o motorista da carris, o porteiro do cinema ou o nosso médico. Ninguém tem carteira profissional de agente secreto, nem há associações profissionais de espiões (até ver), quando isso acontecer então poderemos ficar preocupados. Sempre que aparecer a palavra espião escrita nalguma notícia quer dizer que alguma coisa correu mal. Aliás em há exemplos bem recentes e não é só em Portugal. Há semanas nos Estados Unidos o diretor da CIA, David Petraeus, saiu supostamente por ter sido comprometido no âmbito de uma infidelidade conjugal. É difícil acreditar nisso...
Qual foi a agência mais difícil para retratar?
A nossa. Porque é a mais recente, a mais envolta em polemicas e a mais exposta aos potenciais leitores do livro. As fontes não-documentais também não se mostraram muito disponíveis. Nenhuma agência secreta acha bem que se fale sobre ela. É suposto serem secretas, mas às vezes nem conseguem ser discretas.
No caso do SIS, há relevância desta instituição que mereça um capítulo ou foi para não deixar em branco a causa nacional?
Podemos pôr a pergunta ao contrário. Alguém preferia que não houvesse SIS? A nossa secreta tem o azar de ter herdado a má reputação da PIDE, que foi diabolizada na opinião publica depois do 25 de Abril. Mas o mesmo processo acontece sempre quando há mudanças de regime: O KGB deixou de existir mas a Rússia não deixou de ter uma secreta. O mesmo aconteceu com a Stasi na RDA, ou a Securitate na Roménia, por exemplo. Portugal não escapou à regra. Mas não faz nenhum sentido pensar num Estado independente sem serviços de informação. Não fazia na era dos Descobrimentos, onde, como se pode ler no livro, os espiões portugueses, com Pêro da Covilhã à cabeça, foram importantíssimos na tomada das decisões do rei português, as quais levaram o país ao maior esplendor da nossa história: sem espiões talvez nunca descobríssemos o caminho para a Índia mandando os espanhóis para a América. Também não fazia sentido nos tempos da imprensa e da rádio, onde circulavam informações codificadas e comunicações secretas. Muito menos faz sentido agora no tempo da internet, onde toda a informação e contra informação são omnipresentes. A democracia às vezes mal, é verdade, mas exerce um controle efetivo sobre os serviços secretos. Os portugueses podem dormir muito mais descansados sabendo que há espiões.
As agências secretas ainda evitam surpresas às ameaças terroristas?
Claro que sim, ainda mais depois de a ameaça se ter tornado real e permanente depois do 11 de Setembro. Os orçamentos de todas as secretas, incluído a nossa, multiplicaram-se e há muitos casos documentados de atentados preparados que foram descobertos e abortados. A BBC que é insuspeita revelou uma série de casos. Só no MI6 o orçamento declarado aumentou 20 milhões de libras logo em 2001, o ano do atentado às torres gémeas.
No caso das norte-americanas, o facto de não terem evitado o 11 de Setembro foi fatal para a sua credibilidade?
A credibilidade da CIA está acima dessas coisas. Raras agências terão sido alvo de tamanha quantidade de acusações, fundadas ou infundadas, como a CIA. Desde a suposta participação no assassinato do presidente John F. Kennedy a ligações à máfia italo-americana de Sam Giancana, passando por acusações mais ou menos pitorescas, como a participação no encobrimento da presença extraterrestre no planeta Terra, como no chamado e bastante difundido caso Roswell. A secreta americana nunca necessitou de se manter num opaco secretismo. Para isso existe a NSA (National Security Agency), cuja existência foi negada durante bastante tempo pelos sucessivos governos norte-americanos. Os diferentes presidentes sempre usaram a CIA para oferecerem à população norte-americana um sentimento de segurança. No mundo instável e imprevisível da Guerra Fria, aos norte-americanos não interessava saber ao pormenor o que a CIA fazia. Queria era acreditar que, fosse ela o que fosse, fizesse o que fizesse, seria sempre para o bem dos EUA - e esta realidade sempre serviu à CIA.
Considera que o MI6 é a mais eficaz agência de espionagem do mundo. Porquê?
Porque é a mais secreta. E o foi durante muitas décadas. Ao contrário do que se passa por exemplo com o KGB, não existe nada parecido com um "Arquivo Mitrokhin" do qual nos possamos socorrer em busca de informação. Na realidade, durante praticamente todo um século, o MI6 apenas foi conhecido de forma oficiosa, tendo a Grã-Bretanha sempre negado a sua existência. Foram necessários quase 80 anos para que Margaret Thatcher, em 1988, reconhecesse finalmente que o MI6 existia e lhe concedesse forma jurídica e constitucional. Quanto à possibilidade de os historiadores terem acesso aos arquivos do MI6, demorou mais alguns anos, até aos anos 90, quando John Major lançou o programa Open Government que, pelo menos em teoria, abria os serviços secretos à população. Mas, na prática, tal coisa nunca aconteceu.
Considera que a KGB era a mais brutal. Após o fim dos regimes do Leste esta realidade mudou?
Ainda que cheia de milionários mais ou menos intocáveis e band girs presas por atentado ao pudor, a Rússia de hoje é muito diferente da do tempo da KGB, que tinha como missão, para além de servir de contraponto global à CIA, fazer o controle policial da população soviética. Mas não esqueçamos que Putin foi um destacado oficial do KGB. Esteve ao serviço da secreta soviética durante 16 anos, onde saiu com a patente de coronel quando ela foi extinta em 1991. A nova KGB, chama-se FSB, e está focada, como todas as agências nos dias de hoje, na luta contra o terrorismo para além das atividades normais de contra informação, vigilância e controle das fronteiras.
Mossad é uma agência ou um mais um ministério do governo israelita?
A Mossad é o espírito do próprio estado israelita. Como facilmente se compreende a espionagem em Israel é um caso muito sério. Os três ramos de inteligência israelita - a Mossad é responsável pela espionagem e contra-espionagem no estrangeiro; o Shin Bet (ou Shabak, como também é conhecido), responsável pela segurança interna do Estado; e o Aman, os serviços secretos do exército - gastam centenas de milhões de dólares por ano e empregam (que se saiba) largas centenas de pessoas. Nenhum outro Estado gasta tanto dinheiro, energia e mão-de-obra como esse pequeno país com pouco mais de quatro milhões de habitantes. Em termos proporcionais, tendo em conta a população, nenhum outro país tem tantos espiões como Israel. E mesmo em termos absolutos não deve haver. O mais provável é que se conhecer um israelita ele seja ou tenha sido da Mossad .
O mundo seria diferente se não existissem agências secretas?
Isso seria impossível. Havendo homens e mulheres, há conflito. Quando há conflito, a gestão da informação e dos segredos têm uma importância decisiva na decisão do lado ganhador. E é preciso que um lado ganhe para que esse conflito termine e logo se comece outro. Além do mais os espiões funcionam como válvulas de escape das tensões internacionais. Aliviam a pressão e servem de moeda de troca. O papel dos espiões, se bem que importante durante a guerra, é mais importante ainda em tempos de paz. As guerras são sempre coisas políticas. Sem espiões haveria guerras mais vezes.
O agente que surge na capa parece a silhueta de Daniel Craig. É o seu James Bond preferido?
Até que enfim há alguém que repara!! É o melhor de sempre até agora, o mais negro e hitchcockiano, o mais verosímil. É o mais aproximado de todos a um agente secreto de verdade. Claro que na espionagem da vida real há menos Aston Martins, mulheres lindas, luxos asiáticos e efeitos especiais. Mas o ar solitário e negro que o Craig dá à personagem aproxima-o duma realidade provável. Torna-o quase humano. E isso é difícil de fazer em narrativas do gênero Bond. É aquele de que mais gosto.